A sustentabilidade do aço e das estruturas metálicas
O Desenvolvimento Sustentável é uma questão essencial hoje em dia, com implicações em todos os setores da nossa sociedade. A indústria da construção desempenha um papel fundamental nos objetivos do Desenvolvimento Sustentável, não só pela sua contribuição para a economia global, como também pelos seus impactos significativos tanto em termos ambientais como em termos sociais.
O aço é normalmente identificado como um material “amigo do ambiente”, devido essencialmente ao seu potencial de reciclagem. No entanto, não são só os benefícios ambientais do aço que contribuem para os objetivos da construção sustentável. As estruturas metálicas apresentam características naturais que se oadunam com os requisitos da construção sustentável e que tornam este tipo de construção imbatível na realização dos mesmos.
Habitualmente a Sustentabilidade da Construção é definida em três dimensões: ecológica, econômica e sociocultural. Uma metodologia para a avaliação da sustentabilidade de um sistema construtivo deve portanto considerar as três dimensões referidas.
A Construção Sustentável implica a adoção dos princípios do Desenvolvimento Sustentável ao ciclo global da construção, desde a extracção de matérias-primas até à sua demolição e destino final dos resíduos resultantes – análise do berço à cova – e é um processo holístico que visa estabelecer um equilíbrio entre o ambiente natural e o ambiente construído.
Figura 1 – As dimensões da sustentabilidade
A indústria da construção, sendo um dos principais responsáveis pela escassez dos recursos naturais e pela produção de resíduos, desempenha um papel fundamental no Desenvolvimento Sustentável global. Desta forma, para ser considerada uma indústria sustentável, tem pela frente um grande desafio, talvez maior do que em qualquer outro setor industrial.
No contexto da Comunicação da Comissão Europeia sobre a competitividade da indústria da construção , os principais aspectos da sustentabilidade que afetam a indústria da construção foram identificados como sendo os seguintes:
i) Materiais de construção amigos do ambiente - Aproximadamente 50% de todos os materiais extraídos da crosta terrestre são transformados em materiais e produtos para a construção;
ii) Eficiência energética em edifícios – A construção, operação e consequente demolição de edifícios contabiliza aproximadamente 40% de toda a produção de energia e contribui para uma percentagem semelhante de emissões de gases com efeito de estufa;
iii) Gestão de desperdícios da construção e/ou demolição – Os desperdícios da construção e demolição constituem a maior fonte de resíduos sólidos por peso da União Europeia.
A necessidade de promover práticas e técnicas ecoeficientes na indústria e de tornar mais eficiente a utilização e gestão dos recursos e dos resíduos, são assim requisitos fundamentais do Desenvolvimento Sustentável, e a indústria do aço desenvolve um papel de extrema importância neste sentido.
A Sustentabilidade do aço
Os reconhecidos benefícios ambientais do aço são normalmente associados ao seu potencial de reciclagem. No entanto, a percentagem de material reciclado utilizado na produção de aço depende do respectivo processo de produção.
Produção do Aço
Atualmente o aço é produzido através de dois processos básicos – a partir de matérias-primas (minério de ferro, calcário e coque) em alto-forno ou a partir de sucata em forno elétrico de arco. Cerca de 60% do aço produzido atualmente é feito pelo primeiro processo, também conhecido por processo integrado. A produção do aço em alto-forno utiliza entre 25% a 35% de aço reciclado enquanto que na produção do aço em forno de arco elétrico essa porcentagem é aproximadamente de 95%. A produção em forno de arco elétrico é por consequência mais fácil e mais rápida.
Impactos Ambientais Provocados pela Produção do Aço
A indústria siderúrgica é uma indústria muito intensiva, tanto em termos de materiais como de energia. Mais de metade da grande quantidade de materiais e energia que entra no processo resulta na produção de efluentes gasosos e de resíduos sólidos/subprodutos. As emissões mais relevantes são as emissões para a atmosfera, principalmente no que respeita à emissão de CO2 e outros gases com efeito de estufa.
Em consequência das diferentes porcentagens de aço reciclado utilizadas nos processos de produção de aço, facilmente se poderá constatar que as correspondentes emissões de carbono e de outras partículas são também consideravelmente inferiores para o forno de arco elétrico, tornando este um processo mais eficiente em termos ambientais. Em cada tonelada de aço reciclado são poupados 1.25 toneladas de minério de ferro, 630 kg de carvão e 54 kg de calcário. Além do mais, o processo de reciclagem requer menos energia, cria menos resíduos e provoca a emissão de menos quantidades de partículas poluentes do que a produção da mesma quantidade de aço a partir de matérias-primas.
Fig. 2 – Energia consumida por processo
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Fig. 3 – Impactos ambientais
De entre as emissões de partículas poluentes destacam-se as emissões de CO2 e outros gases com efeito de estufa. Neste caso, a produção de 1kg de aço em forno de arco elétrico produz cerca de 462 gr de equivalentes de CO2, enquanto que em alto forno a produção de igual quantidade de aço produz cerca de 2494 gr de equivalentes de CO2.
Estratégias para a Preservação Ambiental
Com o objetivo de tornar o aço num material mais ecológico e “amigo do ambiente”, as grandes siderurgias mundiais têm vindo a implementar várias medidas no sentido da preservação ambiental. Os aspectos de maior preocupação são a diminuição do consumo de energia e a redução da emissão de gases com efeito de estufa, nomeadamente de dióxido de carbono. Nas siderurgias a emissão de dióxido de carbono é o fator mais preocupante. No entanto, a indústria de produção do aço está determinada em reduzir a emissão destes gases e em tornar mais eficientes os seus processos de produção. Com este objetivo têm sido desenvolvidos diversos programas de investigação em todo o mundo. Nomeadamente o programa europeu ULCOS (Ultra Low CO2 Steelmaking), que tem como principal objectivo o desenvolvimento de novas formas de produção de aço com reduzidas emissões de gases com efeito de estufa. Outras medidas têm sido desenvolvidas, tais como tecnologias com recurso a porcentagens mínimas de carbono (carbon-light) combinadas com a captação e armazenamento de CO2, e recurso a energias alternativas tais como gás natural, hidrogênio, biomassa e electricidade.
De qualquer forma, no que diz respeito ao consumo de energia e às emissões de CO2, são já bem visíveis no gráfico seguinte os resultados alcançados pela indústria de produção do aço, na União Europeia, entre 1970 e 2000.
Figura 4 – Indústria europeia do aço
A Sustentabilidade das Estruturas Metálicas
Contudo, não é apenas como material que o aço contribui para os objetivos da construção sustentável, as estruturas metálicas têm características naturais que também contribuem para esses mesmos objectivos, tal como será discutido nos parágrafos seguintes.
A Construção Sustentável visa a minimização do consumo de recursos naturais e a maximização da sua reutilização, a utilização de recursos renováveis e recicláveis, a protecção do ambiente natural, a criação de um ambiente saudável e não tóxico e a procura de qualidade na criação do ambiente construído.
Energia consumida por tonelada de aço produzida
Emissões de CO2 por ton de aço produzida)
i) ter uma abordagem integrada de ciclo de vida do projecto considerando os fundamentos da construção sustentável, desenvolvendo soluções optimizadas (estética, custo, vida útil, manutenção, consumo de energia...);
ii) ter em consideração as qualidades ambientais dos materiais no projecto e no produto final;
iii) centrar a concepção funcional sobre a fase de exploração (longa vida útil, durabilidade das componentes, flexibilidade da funcionalidade do edifício, bem como na reabilitação e da facilidade de desconstrução das diversas componentes).
Analisando as várias fases ao longo do ciclo de vida de uma estrutura metálica facilmente se identificam as vantagens deste tipo de estruturas relativamente a outros tipos de construções. De forma geral as estruturas metálicas são estruturas que implicam a pré-fabricação conduzindo desta forma a um processo de construção mais eficiente, a uma maior rapidez de construção e à minimização dos riscos e prejuízos da obra e do estaleiro. Simultaneamente, sendo estruturas relativamente leves, conduzem à construção de fundações mais reduzidas, permitindo a preservação do solo de fundação e a redução da movimentação de terras.
Dadas as características do aço, em termos de resistência e ductilidade, as estruturas metálicas permitem a construção de superfícies com grandes vãos livres, pilares mais esbeltos e fachadas mais leves. Assim, as estruturas metálicas permitem uma maior liberdade da imaginação na concepção da obra. Ao mesmo tempo, a existência de espaços amplos, livres de obstáculos interiores, facilita a alteração ou extensão da estrutura de forma a adaptar-se a novos requisitos funcionais ou estilos de vida.
A existência de grandes superfícies envidraçadas, normalmente associadas a este tipo de construção, permite a realização de fachadas e coberturas mais transparentes, conduzindo a uma melhor gestão da luz natural e ao favorecimento da utilização da energia solar.
Na fase final da vida útil das estruturas metálicas, e graças às características já enumeradas, é possível proceder-se ao desmantelamento de estruturas que já não são utilizadas e fazer a sua reconstrução em locais onde são necessárias. Além disso, se o destino final for mesmo a demolição nesse caso poder-se-á proceder à reciclagem do aço. Note-se que o aço pode ser reciclado inúmeras vezes sem perder qualquer uma das suas qualidades, contribuindo assim para a minimização do consumo de recursos naturais e para a maximização da reutilização desses mesmos recursos.
Ferramentas para a avaliação da sustentabilidade
Hoje, existem duas metodologias básicas para a análise da sustentabilidade do ambiente construído: sistemas de classificação ambiental e análises ambientais de ciclo de vida.
Por outro lado, uma Análise de Ciclo de Vida (ACV) de um sistema construtivo consiste na compilação e avaliação de todos os fluxos (entradas e saídas) e dos potenciais impactes ambientais ao longo do seu ciclo de vida. O termo “ciclo de vida” refere-se às diversas fases ao longo do ciclo de vida do sistema construtivo, desde a sua construção, utilização, manutenção, e demolição final; incluindo a aquisição de matéria-prima necessária para a fabricação dos diversos materiais.
Figura 5 – Limites do sistema numa ACV
Ambas as metodologias apresentam vantagens e limitações. Por exemplo, enquanto que num sistema de classificação ambiental é possível atribuir créditos à adaptabilidade de um edifício face a novos requisitos funcionais, numa ACV a consideração deste critério é muito complicada. Por outro lado, uma ACV é uma análise mais completa que permite ter em conta os balanços ambientais existentes entre as diversas fases ao longo do ciclo de vida de um sistema construtivo, o que permite, por exemplo, ter em consideração a alocação da reciclagem do aço no fim de vida de uma estrutura.
A ACV é a metodologia escolhida para a avaliação da sustentabilidade nos casos práticos que são apresentados, resumidamente, nos parágrafos seguintes.
Avaliação da sustentabilidade - Casos práticos
Neste item são, resumidamente, apresentados dois casos práticos nos quais é feita uma análise comparativa, em termos de sustentabilidade, entre uma estrutura metálica e um método alternativo de construção. Em ambos os casos, o método construtivo alternativo é em betão armado, já que este continua a ser o método tradicional de construção de Portugal.
Aplicação a uma Obra de Arte
Como já referido, a utilização de aços provenientes de processos de produção diferentes conduz a impactes ambientais muito diferenciados. Para avaliar as diferenças em termos de impactes ambientais foi realizado um caso prático. Neste estudo foi feita uma análise comparativa entre duas soluções estruturais alternativas para uma obra de arte cujo desenvolvimento em planta e em alçado se encontram representados na fig 5.
Fig. 5 – Planta e alçado da ponte
A solução preconizada pelo projetista original consistia numa solução em betão pré-fabricado, com dupla viga em caixão. A solução alternativa foi definida por uma solução mista, composta por duas vigas metálicas alma cheia e uma laje em betão solidarizada com as vigas e funcionando em conjunto. Em ambos os casos as soluções satisfazem os requisitos dos Eurocódigos relevantes em cada caso, e foi assumida uma vida de serviço de 50 anos.
Fig. 6a - Solução em betão Fig. 6b -Solução mista aço-betão
A performance ambiental de ambas as soluções foi avaliada com base numa análise de ciclo de vida, com base nas normas internacionais ISO, série 14040 (ISO14040, 2006; ISO14044, 2006), e com recurso ao programa de análise BEES.
Na análise de inventários foram quantificados todos os inputs (quantidade de matérias primas, quantidades de água e energia) e outputs (emissões de partículas para a atmosfera, terra e água) correspondentes a todas as fases de produção, desde a extracção de matérias primas até ao produto final, pronto para ser transportado do local de fabrico. As fases seguintes não foram consideradas na análise por não haver, na literatura disponível, dados suficientes e credíveis para a sua quantificação. Todos os dados relativos aos diversos materiais construtivos, com excepção do aço estrutural, foram obtidos da base de dados do programa BEES. No caso do aço, os dados foram obtidos do International Iron and Steel.
A avaliação de impactos foi efetuada com base na metodologia desenvolvida pela Society for Environmental Toxicology and Chemistry (SETAC).
Fig. 7 – Resultado da performance ambiental
Assim, no primeiro cenário considerou-se que o aço utilizado seria inteiramente produzido em alto-forno, no segundo cenário a produção seria integralmente em forno de arco eléctrico, e finalmente no terceiro cenário considerou-se uma situação em que 50% do aço fornecido seria produzido pelo primeiro processo enquanto que os outros 50% seriam produzidos pelo segundo processo. Desta forma, na primeira coluna está representado o resultado ambiental total obtido para a solução em betão. Comparando este resultado com o resultado obtido para a solução mista, assumindo-se a origem integral do aço do forno eléctrico, representado na terceira coluna, observa-se que a solução mista apresenta claramente um resultado ambiental muito superior à primeira (- 31%). Os resultados para a solução mista assumindo a produção integral em alto forno (pior caso possível) agravam em cerca de 23% os resultados obtidos para a solução em betão. Finalmente, na quarta coluna está representado o resultado obtido para o cenário composto por 50% de cada processo de produção, e que seria o caso mais realista no caso de haver incerteza relativamente à origem do aço. Neste caso o resultado é superior à solução em betão em apenas - 4%.
Aplicação a um Edifício
A mesma metodologia de ciclo de vida ambiental foi aplicada a um outro caso prático. Neste caso o estudo consistiu numa análise comparativa entre duas soluções estruturais alternativas, com base numa moradia unifamiliar, localizada no Algarve (sul de Portugal). Neste exemplo além da análise ambiental, foi também realizada uma análise econômica ao longo do ciclo de vida das construções.
Assim, foram analisadas duas soluções estruturais. A primeira solução consistiu numa solução “clássica” constituída por uma estrutura com pilares e lajes em betão, paredes exteriores de alvenaria de tijolo, duplas (15 cm e 11 cm),
rebocadas e pintadas em ambas as faces, e uma caixa de ar, com 4 cm de espessura, preenchida com isolamento térmico e acústico. As paredes interiores eram paredes simples de alvenaria com 11 cm de espessura, rebocadas e pintadas em ambas as faces. A solução alternativa foi definida por uma solução estrutural mista aço/betão. Neste caso considerou-se uma laje mista apoiada em pilares metálicos constituídos por perfis em I laminados, paredes exteriores definidas por painéis sandwich com pano exterior em painéis OSB (Oriented Strand Board), revestidos a poliestireno expandido, pano interior em placas de pladur e caixa de ar preenchida com lã de rocha, perfazendo uma espessura total de 30 cm. As paredes interiores eram semelhantes mas com 25 cm de espessura. Ambas as estruturas foram dimensionadas de acordo com os respectivos Eurocódigos estruturais, de forma a desempenharem a mesma performance estrutural e com as mesmas margens de segurança. A análise comparativa avaliou as duas soluções em termos de comportamento físico e do ponto de vista da sustentabilidade de cada solução estrutural. Nesta análise os elementos comuns a ambas as soluções (fundações, laje térrea e cobertura) não foram considerados na análise. Em termos de comportamento físico, os comportamentos térmico e acústico foram equilibrados de forma a não existir uma solução preferencial. A análise da sustentabilidade determinou qual o sistema estrutural que obtém o melhor equilíbrio entre a performance ambiental e a performance econômica, considerando em ambos os casos uma análise de ciclo de vida.
A performance ambiental foi avaliada com base na metodologia referida no caso anterior. Assim, na análise de inventários foram quantificados todos os inputs e outputs correspondentes a todas as fases de produção, desde a extracção de matérias-primas até ao produto final, pronto para ser transportado do local de fabrico. As fases seguintes não foram consideradas na análise por não haver, na literatura disponível, dados suficientes e credíveis para a sua quantificação. Todos os dados relativos aos diversos materiais construtivos, com excepção do aço estrutural, foram obtidos da base de dados do programa BEES. No caso do aço, os dados foram obtidos do International Iron and Steel Institute (IISI, 2002).
Da avaliação de impactos resultaram doze indices, os quais estão representados no gráfico da figura 5, para cada uma das soluções estruturais.
Figura 9 – Resultado da performance ambiental
Figura 10 – Resultado da performance económica
A avaliação econômica de ciclo de vida foi efetuada com base nos custos iniciais e futuros correspondentes a cada solução. A compilação dos custos iniciais de construção baseou-se nas quantidades de materiais estimados para cada solução estrutural e os custos futuros foram estimados com base nas despesas de manutenção previstas para o período de referência. Neste análise assumiu-se um período de estudo de 50 anos e a taxa real de desconto considerada foi de 3.9%.
O resultado final, representado na figura seguinte, foi obtido pela média ponderada das performances ambiental e econômica, tendo-se considerado o mesmo peso para ambas as análises.
Figura 11 – Resultado da performance global
Neste caso verificou-se que a solução estrutural mista aço-betão apresentava uma performance ambiental e econômica superior à solução de betão.
A indústria da construção é responsável, direta ou indiretamente, por uma proporção bastante significativa de impactos ambientais, os quais podem comprometer, a médio ou longo prazo, o futuro das gerações futuras. Portanto, uma das prioridades do setor da construção deve ser o de desenvolver e fornecer soluções inovadoras com vista à minimização deste problema. Graças às características naturais do aço, as estruturas metálicas permitem a otimização dos recursos naturais e a obtenção de um ambiente construído mais racional e eficaz, contribuindo deste forma para uma construção mais sustentável.
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